Resveratrol: razão em favor do vinho tinto
Não obstante a mesa francesa ser farta em comidas gordurosas e estas estarem implicadas em doenças cardiovasculares, a incidência das últimas é baixa entre os franceses. Isto levou à criação da expressão “paradoxo francês”, cunhada por P. Kopp, em 1998 (European Journal of Endocrinology 138:619-620). A explicação levantada é que os franceses igualmente tem o sabido hábito de elevado consumo de vinho tinto. E este, além das bem conhecidas antocianinas que lhe emprestam a cor diferenciando-o do vinho branco, contem o resveratrol ou trans-3,5,4´-trihidroxiestilbeno, um composto fenólico natural que comporta a designação de fitohormônio dada sua semelhança estrutural com hormônios animais da série dos estrogênios.
Como nos ensina o jornalista enófilo Luiz Carlos Zanoni (deste mesmo O Estado do Paraná) vinhos tinto e branco se diferenciam pelo fato de que no primeiro a uva é processada com a casca e sementes. E é na casca do fruto (além da semente, raiz e folhas) que o resveratrol é mais efetivamente encontrado como uma resposta do vegetal para o ataque de fungos (e.g., Botrytis cinerea) embora o mesmo fruto seja mais ameno à população de leveduras que ali habitam e que podem, per se, sustentar um processo de vinificação do mosto. Na Vitis vinifera, o resveratrol atua então como uma fitoalexina ou seja uma espécie de antibiótico de defesa e é biossintetizado a partir de dois ácidos orgânicos: o coumárico e o malônico na mesma via metabólica que dá origem também ao flavonóide quercetina. Entre 50 e 100 microgramas de resveratrol são encontrados por grama de casca de uva. Uma outra fonte natural é o amendoim. Outra é a planta asiática Polygonnum cuspidatum (erva-de-nós; hu zhang na China) há longo tempo empregada para males do coração. Segundo E. Celotti et al. da Universidade de Pádua, vinhos tintos italianos contem entre 0,5 e 10 ppm (partes por milhão) de resveratrol. A cepa Pinot Noir (originária da fria região de Burgundy, França) é particularmente rica em resveratrol. O conteúdo em vinho tinto é muito maior do que em suco de uva pela simples razão de que as cascas permanecem por maior tempo no mosto de vinificação. Cor, portanto, não significa maior conteúdo de resveratrol. Nem é o resveratrol, enquanto polifenol, um anti-oxidante exclusivo do vinho eis que ali se encontram também os flavonóides (outros tipos de fenóis) como a quercetina e epicatequina. A favor do resveratrol está sua estrutura química que apresenta grupos químicos inclinados à solubilidade tanto em água quanto em gordura, um aspecto diferencial se comparado com vitaminas antioxidantes radicalmente solúveis em um (vitamina C; água) ou outro (vitamina E; gorduras) sistema. O que está comprovado cientificamente é que o resveratrol inibe tanto a agregação de plaquetas (aterosclerose) quanto a peroxidação de lipídios essenciais à estruturação da membrana plasmática de todos tipos de células. M.V. Clement et al. da Universidade Nacional de Singapura reportaram a ocorrência de apoptose (morte celular programada) para uma linha celular cancerosa (leucemia humana HL60) na presença de resveratrol. E. Ulsperger,. et al. (Int. J. Oncol. 1999;15:955-59), na Áustria, demonstraram que o resveratrol bloqueia a metástase de células cancerosas em direção aos ossos, além do que esta droga natural, diferentemente de quimioterápicos clássicos, parece não afetar as células sadias do organismo. O cardiologista paulistano Ronaldo Leão Abud afirma que o resveratrol é capaz de inibir a oxidação das lipoproteínas do tipo de baixa densidade (LDL ou “mau colesterol”). Quando oxidada, a LDL torna-se ainda mais nociva pois mais facilmente pode se depositar nas artérias até obstruí-las gerando então o infarto (cardíaco) ou o derrame (AVC; cerebral). Investigação mais recente comprovou que o resveratrol causa alargamento significativo do ciclo de vida de leveduras. Esta modulação da longevidade tem potencial de se estender a outros modelos biológicos, inclusive o homem, pois a base gênica afetada (gen SIR2), senão igual é assemelhada. No campo de conhecimento das viroses, bem recentemente, A. T. Palamara et al. (J. Infect. Dis. 191, 1719-1729, 2005) comprovaram que o resveratrol impede a replicação do vírus da influenza A; portanto, surge um novo instrumento potencial no controle da gripe.
O resveratrol foi pioneiramente isolado das raízes de Veratrum gradiflorum em 1940. Mais de meio século se passou para que os cientistas despertassem para sua variada bioatividade. Não bastassem os prós do vinho tinto ditados pelo resveratrol, ali também estão concentradas as antocianinas (malvidina, peonidina e seus glicosídios) as quais são esqueletos flavonóides coloridos desde o vermelho até o azul. São também bons anti-oxidantes.
José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR junto ao Depto. de Farmácia, Pesquisador 1.ª do CNPq e 11.º Prêmio Paranaense em C&T.
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