Nesse ano completo 30 anos de ligação com o mercado brasileiro do vinho e lembro com clareza meus primeiros passos dentro do mezanino acima da adega do Empório Santa Maria na Av. Cidade Jardim, em São Paulo. Numa sala com não mais de 20m2 reunia uma das principais equipes de vendas B2C do Brasil, comandada pelo Elidio Lopes Cavalcante, o Lopes. Sentado ao lado de um dos melhores Angelo Pelegrino, o Pelê, começava entender o que era o mercado do vinho. Foi uma semana de integração, conhecendo os estoques da Expand no bairro do Cambuci, um treinamento de televendas, culminando com o curso básico de vinhos ministrado por Jorge Lucki.
À frente de toda essa estrutura estava Otavio Piva de Albuquerque, um homem além do seu tempo, arrojado e destemido, um grande empreendedor. Naquela altura eles haviam criado um modo de vender vinhos, mais que isso, de promover a cultura de vinho numa terra que bebia basicamente cerveja e vinho. Nesse cenário vou para um lugar que dividiu minha vida: Domaine Saint Marie, por muitos foi chamada de "Galeria de Arte do Vinho", era uma loja de 500m2, com capacidade de receber cerca de 23 mil garrafas, muitas delas coloquei pessoalmente nos nichos.
Eu não queria ir, não estava claro para mim que quando contratado havia essa possibilidade, mas enfim mesmo tendo sido elogiado, pois escolheram os que mais se destacaram, não era meu desejo sair da Cidade Jardim. Enfim tudo acontece como deve acontecer. A loja ficava em um shopping recém inaugurado, D&D (Design e Decoração), voltado para arquitetos e decoradores, um nicho, pouca gente aparecia. Teve semanas que abríamos e fechávamos a loja sem vender uma só garrafa, até que nosso grupo teve uma ideia: vamos chamar o publico e assim fizemos até que um ano depois fomo responsáveis por cerca de 50% do público do shopping.
Digo que mudou minha vida, pois graças a esses acontecimentos e muito tempo de sobra, pude me debruçar para aprender idiomas e muito sobre vinho e como um dos responsáveis pelos eventos, pelas experiências, pude entrar em contato com grandes nomes do cenário nacional e internacional. Jornalistas, como o saudoso Saul Galvão, os poucos sommeliers que existiam, como Manoel Beato e Gianni Tartari e muitos produtores brasileiros e de vários outros países. Além disso provei os melhores vinhos do mundo. Foi de fato, uma grande escola, uma pós graduação na prática.
Mas o que mudou nesses 30 anos?
Muita coisa, com certeza!
Em termos de importadores, além da Expand - que era a maior, com 800 rótulos - tínhamos cerca de 10 que efetivamente participavam do mercado, já os produtores nacionais de vinhos finos também contávamos nos dedos. Para se ter uma ideia a Miolo tinha um funcionário em São Paulo, o próprio Fabio Miolo, que vendia, separava e entregava, como muitos faziam, lembro de alguns enquanto escrevo, inclusive importadores. Hoje estimamos cerca de 1.100 vinícolas brasileiras e um número semelhante de importadores, correspondendo a uma oferta de mais de 60 mil rótulos.
Pela expansão dos números podemos também entender a dimensão da mudança, seja estrutural seja na forma como o vinho foi comercializado até hoje. O Brasil nessa curta tradição tem uma forma peculiar de vender vinhos, enquanto em muitos países os produtos são divididos por canal (venda ao consumidor, ao restaurante e ao varejo), por aqui o responsável pela marca atende aos 3 canais. Como tudo, por um lado é bom, pois garante ao representante pela marca um maior controle sobre o posicionamento dos produtos, por outro lado é difícil escapar da tentação de vender ao consumidor em condições difíceis de serem alcançados pela revenda, o varejo, ou de dar a atenção devida ao canal restaurantes.
Outra mudança visível é com relação ao serviço do vinho, à educação e treinamento. No inicio era não só um diferencial, mas uma necessidade, educar nos pontos de vendas atendentes e o cliente final, assim promovia-se muitas ações de degustação, treinamentos de brigadas e grandes esforços para levar profissionais conhecer vinícolas e os produtos vendidos. A educação particular ainda engatinhava, não havia escola de Sommeliers, então aprendíamos nesses eventos e de forma autodidata. Atualmente com o avanço de diversas escolas e a profissionalização do sommelier, muitas dessas ações forma terceirizadas e poucas empresas ainda investem nos profissionais. Muitos especialistas tornaram-se independentes e realizam eventos não propriamente ligados aos produtores ou importadores.
Hoje, na minha visão, o mercado brasileiro do vinho é pouco organizado e unido, assim algumas agendas extremamente necessárias tem pouco força, como trabalhar em conjunto para o crescimento do consumo de vinho (há décadas na casa dos 2 litros per capita), ou no caso, por exemplo da medida que está no congresso que visa conceder ao vinho o caráter de alimento e assim reduzir significativamente seu preço final e muito pouco disseminada nas redes ou na imprensa.
É claro que muito vinho passou por essa ponte nesses 30 anos, claro que avançamos muito, poderíamos ter avançado muito mais, no entanto o que já foi feito deve ser comemorado. Particularmente, tenho muito, além dos vinhos que bebi (dos tombos que ninguém ou pouca gente viu), conheci pessoas preciosas, países, estratégias brilhantes e a certeza de um mercado em franca expansão pronto para ser ainda mais explorado.
Para quem chegou, está chegando, consumidor que queira aprender, enfim aos amantes do vinho, no que puder conte comigo sempre!
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